Sou a Carla, mãe da Joana e do Ricardo, esposa do Júlio, médica cardiologista que sempre orientou os pacientes a reduzir a gordura da alimentação e que a chave para uma vida saudável é comer de tudo um pouco em moderação. Ainda fico triste quando lembro de quantos pacientes eu poderia ter ajudado mais, ou a mim mesma, mas precisamos passar por certas situações para aprendermos e a minha mudança só veio através da dor.

E como eu virei a Mamãe Paleo Prática? Vou contar de forma simples, mas vamos voltar no tempo um pouco para ficar mais claro.

Eu nasci em Santiago, Rio Grande do Sul, Brasil. Meus pais, descendentes de alemães e italianos, traziam a cultura de plantar, onde tiver espaço, flores, verduras e árvores frutíferas. Cresci comendo tudo o que era feito em casa pelas mãos da minha mãe, excelente cozinheira. Se ela não soubesse fazer, corria atrás de quem pudesse ensinar e anotava no seu caderno de receitas (que acabou sendo destruído pelos filhos de uma amiga dela). Ou ainda tinha uma coleção de receitas em formato de fichas que eu lia todas as tardes enquanto ela estava trabalhando e tentava reproduzir se tivesse os ingredientes em casa.

Assim também aprendi a cozinhar, com os ensinamentos dela, a minha curiosidade e o meu paladar difícil de agradar (sim, eu sempre fui a chata para comer!).

Numa época em que não tínhamos acesso a alimentos frescos que percorressem distâncias grandes, o consumo era de carnes, leite, ovos, vegetais e frutas locais. Vinha de fora da cidade o que poderia ser conservado por mais tempo como os grãos e produtos industrializados.

Portanto consumíamos os alimentos conforme a sua época de colheita.

A carne era comprada no açougue ou de algum produtor local, quando então era feita a “carneada”, com várias pessoas ajudando a preparar os cortes, sem desperdício, para que todas as partes do animal fossem aproveitadas.

Também tenho a vívida lembrança de quando aprendi na escola que óleo de soja era mais saudável que banha de porco e corri falar para a minha mãe parar de usar a banha. O mais engraçado é que depois de mais de 30 anos desse fato, ensino exatamente o contrário disso!

Como falei acima, eu tinha muita dificuldade para comer de tudo. Frutas nem pensar! Vomitava quando alguém comia banana ao meu lado. Entravam na minha alimentação vegetais bem específicos e gostava muito de manter a rotina quando descobria sabores que eu gostava, por exemplo: se ia em algum restaurante com buffet e gostava do que coloquei no prato na primeira vez, geralmente repetia tudo em todas as outras vezes, por medo de não gostar de outra coisa!

Com isso me sentia culpada, com uma sensação de que merecia ficar doente pois não comia frutas ou vegetais, e mesmo o famoso “feijão para ficar forte” não gostava.

Ao mesmo tempo pensava em como tantas civilizações ao decorrer de milhares de anos, viveram e prosperaram sem nada do que se propagava como ideal para a alimentação (aqui preciso informá-lo que desde criança sou apaixonada pela arqueologia).

Aos 17 anos fui morar em outra cidade, Santa Maria no Rio Grande do Sul, para correr atrás dos meus sonhos. Aí a alimentação piorou muito. Caí no conto das calorias: só preciso contar as calorias, se não passar do limite está tudo bem. Como nos enganaram e até hoje ainda enganam!

Passei no vestibular para Medicina, finalizei o curso em 2006 já com uma tendência a aumento de pressão arterial.

Julho de 2006 – minha formatura em Medicina pela UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Família.

Mudei para Manaus, Amazonas, onde já morava o meu marido (na época noivo). Nem imaginava quantas mudanças estariam por vir nessa vida de “família militar”, onde todos precisam aprender desde cedo que não podemos escolher, mas podemos nos adaptar!

E foi um período intenso de adaptação para mim: amizades novas (e verdadeiras), clima completamente diferente, a comida típica que eu precisei aprender a conhecer até me apaixonar, os hospitais nos quais fiz residência ou apenas fazia plantões, até as palavras que o paciente usava para descrever algum sintoma foram um desafio para mim por um tempo.

Julho de 2008 – nosso casamento em Santiago, Rio Grande do Sul, Brasil. Família.

Saindo de Manaus, próximo destino foi Pirassununga, interior de São Paulo. Nesse momento decidi fazer a prova para entrar para a Força Aérea Brasileira, passei e fui fazer os cursos de formação no ano de 2012 em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, para assumir a minha vaga na cidade de Belém, Pará, Brasil.

Maio de 2012 – Formatura CAMAR no CIAAR, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil.

Durante o curso militar cheguei ao auge do meu desempenho atlético, não sou exemplo de dedicação a essa área mas naquela época estava com o peso ótimo, fazendo exercício físico com frequência, mesmo sem gostar. Porém também foi a fase do aumento ainda maior de pressão arterial, com início de medicação antihipertensiva, e das lesões músculo-esqueléticas, incluindo edema de tornozelo e joelho até hoje sem um diagnóstico definido.

Vivendo em hotéis até o momento de conseguir um apartamento na vila militar em Belém, no final de 2012, onde finalmente comecei a preparar a minha comida.

Na mesma época descobri que estava grávida, com enjôos até o quarto/quinto mês de gestação. Comendo o que conseguia preparar sem vomitar, acabei aumentando muito de peso.

Após o nascimento da Joana, apresentei piora das lesões ortopédicas (muita dor e inflamação nos dois joelhos) e um diagnóstico de Neuroma de Morton no pé esquerdo, aumento da pressão arterial, com aumento também da dose de medicação, e um peso a mais para perder. Em acompanhamento com ortopedistas, fisioterapia 2 a 3 vezes por semana, e fazendo Pilates 3 vezes por semana.

2014 – com a Joana, Belém, Pará, Brasil. Lembro que tentei fazer uma caminhada nesse dia, mas não aguentava a dor no pé (ainda não sabia do neuroma).

Nesse momento da minha vida ouvi falar, através do meu irmão, sobre a dieta paleolítica, na época era assim que o médico conhecido como Dr. Souto falava sobre o que na verdade era a lowcarb. Achei totalmente insano, mas resolvi procurar o que esse médico tinha a dizer para tentar ajudar o meu irmão. O que encontrei foi muita coerência quando o assunto era a bioquímica e fisiologia por trás de tudo e como acabamos sendo ludibriados pelos estudos nutricionais feitos até o momento.

Eu e meu marido resolvemos testar. Ao mesmo tempo estava fazendo a introdução alimentar da Joana e comecei a estudar muito sobre o assunto.

Foi realmente um divisor de águas, pois comecei a perder peso e a me sentir melhor, porém o resto continuava do mesmo jeito.

Engravidei novamente e, como não havia estudado o suficiente, acabei voltando a me alimentar da forma padrão orientada para a maioria das gestantes.

2015 – Com a Joana no colo e o Ricardo no ventre. Férias em Flecheiras, Ceará, Brasil. Fase de muita náusea.

Resultado: mais peso ainda! Foram mais de 20 kg nas duas gestações, sendo que eu vomitava muito e não conseguia comer direito na metade do tempo!

Novembro de 2015 – pertinho do dia de conhecermos o Ricardo, com a minha mãe. Belém, Pará, Brasil.

O Ricardo nasceu em 2015 e na sequência houve a transferência para Pirassununga novamente. Logo procurei uma nutricionista para uma orientação adequada, seguindo o que eu conseguia (a realidade de quem tem filhos pequenos é outra quando falamos em tempo disponível para preparar o que comer a cada 2 ou 3 horas). Perdi peso, mas a exaustão tomava conta, acabei voltando ao que considerava equilibrado, com as escapadas nos finais de semana e algumas noites da semana também.

2016 – durante a minha licença. Pirassununga, São Paulo, Brasil.

O trabalho e o cuidado com as crianças tomavam um tempo grande e a alimentação acabava sendo deixada para “o que conseguir, da melhor forma possível”. Mesmo assim tinha muito cuidado com os doces para as crianças (eu nunca fui fã de doces), e equilibrava ao máximo os macronutrientes com fontes variáveis de carboidratos, já evitando grãos ao máximo.

2016 – meus amores. Pirassununga, São Paulo, Brasil.

Em 2018 veio uma mudança grande, daquelas que sacode tudo na nossa vida: transferência do marido para outro país, Estados Unidos da América! Resolvi finalizar minha carreira na Força Aérea Brasileira, e mudamos para Colorado Springs, a Joana tinha 4 anos e o Ricardo 2 anos de idade. Muitas preocupações como a escolha da escola, onde morar, aprender sobre a cultura local e tentar me comunicar em uma língua que eu nunca fui boa, entender os nomes dos alimentos que já conhecia e descobrir novos, do mesmo jeito que fiz quando fui morar na região Norte do Brasil.

Maio de 2018 – Aspen, Colorado, EUA.

E uma das maiores preocupações naquele momento: a minha saúde!

Cheguei lá com sobrepeso, pressão arterial elevada já em uso de 2 classes de medicamentos, com necessidade de introduzir a terceira classe, enxaquecas, dor nos joelhos, unhas quebradiças e perda capilar. Tudo o que eu achava que poderia melhorar com a perda de peso, pois assim fui ensinada e assim que estudei sempre através das diretrizes.

Lembrei da “Paleo” aprendida anteriormente no Brasil, em 2014/2015, e comecei a procurar material em inglês, com livros de receitas e materiais na internet.

Chamou a minha atenção que os ingredientes usados não eram os mesmos, como por exemplo mel para adoçar, mesmo com mais carboidratos, ou a retirada total dos laticínios, mesmo sendo de baixíssimo carboidrato, e comecei a tentar entender os motivos. E ainda falavam muito em controle de aspectos inflamatórios, o que foi suficiente para aguçar a minha curiosidade.

Acabei me deparando com muito material informativo de profissionais como Loren Cordain, professor emérito da Universidade do Colorado que deu o nome Dieta Paleolítica a esse formato de alimentação que tenta replicar os princípios alimentares usados na época da caça e coleta, de uma maneira adaptada aos tempos modernos. Ainda a Sarah Ballantyne, que estuda a fundo os micronutrientes. Sem deixar de falar na Terry Whals, médica com diagnóstico de esclerose múltipla com retorno às atividades e melhora importante de vários sintomas relacionados à doença através da mudança alimentar associada a outras terapias que ela hoje aplica na clínica em que atua. Ou ainda Tim Noakes, médico da África do Sul que teve sua licença suspensa até ser julgado inocente, mostrando em tribunal como estamos indo por um caminho errado dentro do meio acadêmico.

A partir dos trabalhos desses profissionais aprofundei o estudo nessa área e consegui associar elementos que sempre gostei e me chamavam a atenção: prevenção e reversão de doenças + evolução humana + gastronomia.

E como a hipertensão arterial é uma doença basicamente inflamatória, resolvi testar em mim mesma.

Resultado: em 30 dias já comecei a reduzir a medicação, mesmo sem perda de peso; as dores nos joelhos aliviaram (e já fazia alguns meses que eu estava sem fisioterapia), a disposição foi mudando devagar, o edema generalizado, que eu achava já dentro do meu normal, desapareceu, abdomen sem inchaço e sem gases.

Nesse ponto eu já comecei a ter certeza de que o que aprendi sobre alimentação através das diretrizes e orientava os pacientes estava na verdade contribuindo negativamente em suas doenças.

Não teve mais volta!

2019 – Joana bem adaptada e testando muitos sabores. Colorado Springs, Colorado, EUA.

Todos em casa entraram no esquema, com melhora em muitos aspectos.

2019 – até para os biscoitos de Natal conseguimos fazer uma adaptação da receita. Colorado Springs, Colorado, EUA.

Aí veio o pedido de uma grande amiga para começar a publicar o que eu fazia em casa, para a família, nas minhas redes sociais. Resolvi montar o Instagram pensando nela e surgiu o Mamãe Paleo Prática, pelo qual tenho muito carinho, pois me ajuda a manter o foco e relembrar das minhas próprias receitas e ao mesmo é onde recebo as mensagens de pessoas que eu nem conheço pessoalmente e já mudaram suas rotinas alimentares com pequenas mudanças na forma de olhar para o prato.

Agora, já de volta ao Brasil, senti a necessidade de organizar melhor as receitas e as conversas, para facilitar a vida de quem me acompanha no Instagram e ao mesmo tempo compartilhar mais ideias.

E é muito bom ter você aqui nesse espaço também!

2022 – última reunião familiar completa (precisamos renovar). Xangri-lá, Rio Grande do Sul, Brasil.